terça-feira, 25 de outubro de 2011

Prova emprestada. Interceptação telefônica. Validade?

É válida a chamada prova emprestada, ou seja, aquela extraída, por exemplo, de um procedimento criminal e juntada para servir de prova em outro procedimento cível?

Para respondermos a tal indagação, necessário se torna uma consulta ao texto Constitucional de l988.

O art. 5º, XII, da CF de 1988 estabelecendo que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

No caso das comunicações telefônicas, a Lei nº 4.117/62 (Lei das Telecomunicações), surgida na vigência da CF/46, admitia a quebra, desde que por autorização judicial e feita pelos serviços de comunicações e jamais pela polícia, e que já não havia sido sequer recebida pela CF/67. Com a CF/88, art.5º, XII é que voltou a ser relativa a sua quebra (sigilo telefônico), condicionada, todavia, à regulamentação, por Lei.

Em julho de l996 foi sancionada a Lei 9.296 que admitiu a sua quebra (do sigilo telefônico) mediante autorização judicial e para fins penais.

Esse vácuo na legislação (de 1988 a 1996) gerou situação que sem a existência de Lei autorizando a quebra do sigilo telefônico, a prova colhida não ostentava aptidão para condenar qualquer criminoso, além de ser crime quem a colhesse (art. 151, § 1º, II, do Código Penal), como decidiu o STF no Acórdão 69.912, Rel. Min. Pertence, o que se reafirmou quando do Julgamento do ex-Presidente Fernando Collor de Melo (Ação Penal n. 307-3, DF,Rel.Min. Ilmar Galvão,DJU de l3.l0.95, pg.34247).

Os Ministros do STF quase que imploravam aos membros do Congresso Nacional para que elaborassem tal lei, porque, na ausência dela, estavam liberando da cadeia acusados que haviam sido condenado pelos Tribunais de todo o País mediante tais provas ilícitas.

Naquele período anterior à Lei 9296/1996 a escuta telefônica só poderia ser autorizada em casos excepcionais, como no Estado de Defesa (art. 136, § 1º, "c" da CF/88)), para salvar por exemplo um seqüestrado ou absolver um inocente.

Com o advento da lei 9.296/1996 possibilitou-se a quebra do sigilo telefônico, para fins criminais, todavia, nos dias atuais, nova celeuma surgiu, no que se refere à quebra do sigilo de dados (e-mail, comunicação via internet, etc...).

O Min. Marco Aurélio, do STF, na petição nº 577, em 25.03.92, foi quem verdadeiramente mostrou que o item XII do art. 5º da CF/88 contempla apenas dois (2) casos de sigilo, divididos cada um, em duas situações, e não quatro (4), a saber: 1º) sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas; 2º) dados e comunicações telefônicas. A 1ª hipótese (sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas) é absolutamente inviolável, vale dizer, nenhuma lei antiga ou nova, poderá admitir violação nas referidas matérias. Já a 2ª hipótese que engloba o sigilo de dados e de comunicações telefônicas, a inviolabilidade é relativa.

Em razão dessas questões, discute-se uma outra, vale dizer, se o juiz, agindo na jurisdição cível pode, validamente, autorizar ou acatar a interceptação telefônica, de informática ou telemática, ainda que por via indireta.

Por via direta, de logo se constata essa impossibilidade jurídica, na medida em que o art.5º, XII da CF/88, não deixa dúvida ao afirmar "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal", ou seja, a quebra só se dará em feitos criminais.

É possível o Juízo Cível valer-se da chamada prova emprestada da ação penal, desde que a parte contra quem se vai produzir a prova obtida através de escuta, seja a mesma em ambas as esferas e se observe o princípio do contraditório, em respeito à unidade da jurisdição.

Se nos dois (2) processos (criminal e cível), as partes forem as mesmas, como por exemplo no caso de um réu, servidor público, processado criminalmente, em que o autor da ação penal é o Ministério Público e na ação cível que promover contra a União pretendendo anular o inquérito administrativo do qual resultou sua demissão, não há diferença propriamente dita entre o Ministério Público (autor da ação penal) e a União ( Ré na ação cível), eis que só mudam de posição (pólos ativo e passivo) tal como de posição também muda o servidor (na ação penal é réu e na ação cível é autor); se a prova da escuta telefônica ou outra qualquer foi autorizada primeiramente no procedimento criminal; se a prova foi sabatinada pelas mesmas partes e assim observados o contraditório e ampla defesa; se a CF/88 só não aceita a prova que é obtida por meio ilícito (art.5º, LVI), é razoável que no processo cível se possa utilizar, validamente, uma escuta telefônica ou outra prova que licitamente foi obtida primeiramente no procedimento criminal.

Tem-se que, a admissão da prova emprestada decorre da aplicação dos princípios da economia processual e unidade da jurisdição, bem como, encontra amparo na garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5, LXXVII da Constituição Federal), não existindo impedimento para que esta prova seja utilizada no presente caso, já que foi obtida de forma licita, com, repita-se, autorização judicial.

Além disso, tendo-se por conta o ambiente do Processo Civil e, apenas por exemplo, a utilização de provas obtidas de forma ilícita, o art. 332, CPC limita as provas que serão admitidas no processo quando afirma que serão hábeis os meios legais e os moralmente legítimos, mesmo que não estejam especificados no conjunto normativo.

Observa-se que o legislador, ao falar de meios moralmente legítimos, abriu um leque de possibilidades para o juiz concernente à aceitação ou não de determinada prova em virtude da subjetividade que envolve essa expressão, o que pode ser muito perigoso. Marinoni e Arenhart trazem em sua obra Manual do Processo de Conhecimento, observação que vale a pena ser transcrita, em razão de sua pertinência, qual seja:

“Uma vez que o conceito de prova moralmente ilegítima depende de um juízo que deve ser formado a partir do que é “moral”, admitir que o juiz possa taxar uma prova de “moralmente ilegítima” é o mesmo que dizer que o juiz tem o poder de negar que uma parte possa demonstrar o seu direito – que é constitucional e fundamental de todo cidadão (o direito à prova).”(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. p. 303.)

Percebemos pelo exposto que, apesar da gama de subjetividade que envolve esta expressão, não poderá o juiz arbitrariamente afirmar que a prova é moralmente ilegítima e negar o direito à mesma, vez que o direito à prova é uma garantia constitucional. Para tanto, porém, o magistrado deverá levar em consideração critérios como a época e o local em que foi obtida, o senso comum da sociedade e o que esta entende como prova moralmente ilegítima.(Idem, p. 303.)

Então, tendo-se como norte, para se verificar a possibilidade da aceitação de interceptação telefônica, realizada mediante autorização judicial, não há que se falar e impossibilidade da sua utilização no processo que busca o reconhecimento e a condenação pela prática de atos de improbidade.

Não se pode esquecer, conforme se vê dos julgados abaixo, que alguns requisitos para a o empréstimo da prova é que as partes no processo crime sejam as mesmas que irão litigar no processo cível, de Improbidade administrativa.

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Algumas Jurisprudências sobre o tema:

STJ
RECURSO ESPECIAL Nº 1.115.399 - MT (2009/0096998-2)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : FRANCO FABRIL ALIMENTOS LTDA
ADVOGADO : MAGDO ROBERTO DIAS
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. PESSOA JURÍDICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECEBIMENTO DA PETIÇAO INICIAL. PROVA EMPRESTADA. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇAO. SÚMULA 284/STF.
1. A recorrente insurge-se contra acórdão do Tribunal Regional Federal que manteve o recebimento da petição inicial de Ação Civil Pública por improbidade administrativa relacionada a suposto esquema de corrupção constatado na Procuradoria do INSS de Mato Grosso, envolvendo o favorecimento de advogados e empresas devedoras da referida autarquia com a emissão indevida de certidões negativas de débito, ou positivas com efeitos negativos.
2. As pessoas jurídicas que participem ou se beneficiem dos atos de improbidade sujeitam-se à Lei 8.429/1992.
3. A Lei da Improbidade Administrativa exige que a petição inicial seja instruída com, alternativamente, "documentos" ou "justificação" que "contenham indícios suficientes do ato de improbidade" (art. 17, 6º). Trata-se, como o próprio dispositivo legal expressamente afirma, de prova indiciária, isto é, indicação pelo autor de elementos genéricos de vinculação do réu aos fatos tidos por caracterizadores de improbidade.
4. O objetivo do contraditório prévio (art. 17, 7º) é tão-só evitar o trâmite de ações clara e inequivocamente temerárias, não se prestando para, em definitivo, resolver no preâmbulo do processo e sem observância do princípio in dubio pro societate tudo o que haveria de ser apurado na instrução. Precedentes do STJ.
5. Se não se convencer da inexistência do ato de improbidade administrativa, da flagrante improcedência da ação ou da inadequação da via eleita, o magistrado deve receber a petição inicial (art. 17, 8º).
6. Inexiste ilegalidade na propositura da Ação de Improbidade com base nas apurações feitas em inquérito policial, porquanto serão submetidas ao contraditório durante a fase instrutória.
7. Os dispositivos da Lei 9.296/1996 não possuem comando hábil a infirmar o acórdão recorrido, tendo em vista que o Tribunal apenas acenou com a possibilidade de utilização dos resultados da interceptação telefônica determinada no processo criminal como prova emprestada na Ação de Improbidade. Súmula 284/STF.
8. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
ACÓRDAO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, embora por outros fundamentos, a Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do (a) Sr (a). Ministro (a)-Relator (a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (voto-vista), Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 02 de março de 2010 (data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator
(grifou-se)
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TJ SE
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇAO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PROVA EMPRESTADA - OFÍCIO - JUIZ - POSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO - 1. não há interesse de particular, mas sim interesse público, podendo o douto magistrado de piso determinar a juntada da prova nos autos, inclusive de ofício, na busca pela verdade real, como autorizado pelo art. 130 do CPC. 2. não há que se falar em cerceamento de defesa, pois a prova emprestada juntada aos autos também poderá ser objeto de novo contraditório na demanda a quo. 3. não merece guarita os outros argumentos dos agravantes, quais seja, que a prova, que consiste em escuta telefônica, é ilícita, bem como que não é possível a utilização desta escuta deferida em outro processo para fim específico como prova na demanda a quo, que é diversa e possui outra finalidade. 4. se os réus exerceram o contraditório da prova pretendida na demanda em outro processo, não há que se falar em violação a esta garantia constitucional, estando correta a r. decisão guerreada neste posto, conforme orientação jurisprudencial. 5. É legítima e legal a utilização da prova emprestada do processo penal na ação de improbidade. 6. Quanto a ilicitude da prova, se esta não foi declarada pelo juízo criminal, não há que se indeferir a sua utilização, nos termos da jurisprudência supracitada. Recurso Improvido. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 3ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em conformidade com a ata de julgamento e com as notas taquigráficas, em, à unanimidade, negar provimento ao recurso.Vitória, 19 de julho de 2011. PRESIDENTE/RELATOR (TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 35101116040, Relator: RONALDO GONÇALVES DE SOUSA, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 19/07/2011, Data da Publicação no Diário: 28/07/2011) – grifou-se
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TRF 4ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.05.001524-0/PR
RELATOR : Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI
APELANTE : EIDENI PAULO PEDRALLI
ADVOGADO : Joel Geraldo Coimbra Filho
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR CIVIL. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSE DE MUNIÇÃO. PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE. SANÇÃO QUE OBSERVA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
- Ainda que ausente notícia de persecução penal em razão da posse de munição, dada a independência das esferas cível, criminal e administrativa, nada impede o curso da presente ação, anotando que o autor entendeu que a mesma conduta enquadra-se na norma do art. 11 da Lei nº 8.429/92, configurando, a partir das peculiaridades da situação, ato de improbidade.
- A prova produzida em investigação criminal ou em instrução processual penal pode ser usada em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidas. Os Tribunais têm admitido a utilização de prova emprestada, inclusive contra pessoas que não são alvo de investigação no processo criminal no qual foi produzida a prova. Neste sentido, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem no INQ. 2424.
- Ainda que não tivesse o réu como atribuição funcional específica apreender as munições, tem ele o dever de preservar o patrimônio da União, bem como de colaborar e atuar na prevenção e repressão dos crimes de contrabando, descaminho e dos demais crimes previstos em leis, a teor do disposto no art. 1º, incisos I e X, do Decreto 1.655/95. De sorte que configura, no mínimo, um comportamento negligente, armazenar em sua residência munições de uso restrito e importadas sem a prova da regular importação ou que foram adquiridas no mercado nacional.
- O fato de terem sido encontradas na residência do réu, policial rodoviário federal, mercadorias de procedência estrangeira sem a comprovação de regular importação, equipamentos de telecomunicações clandestinos e armas e munições estrangeiras, sem comprovação da regular importação e de uso restrito, por si só, caracterizam condutas que se enquadram no art. 11 da Lei nº 8.429/92.
- Não é de ser admitido que um policial rodoviário federal, lotado em região em que sabidamente há grande entrada de munições ilegais no país e que tenha como atribuição funcional colaborar e atuar na prevenção e repressão dos crimes de contrabando e descaminho, armazene-as em sua residência de forma irregular. A grave imoralidade revela que o apelante não é digno de permanecer no cargo que ocupa, merecendo a sanção mais rigorosa.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de novembro de 2009.

VALDEMAR CAPELETTI
Relator (grifou-se)
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STF
PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos.(Inq. 2424 RJ , Relator: Min. CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 25/04/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-087 DIVULG 23-08-2007 PUBLIC 24-08-2007) (grifou-se)

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